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Descendo o Amazonas

  • juemax1
  • 20 de ago. de 2022
  • 3 min de leitura

Atualizado: 21 de ago. de 2022

Navegar é assistir um filme do qual você participa. Estou no navio Santarém; um desses de 4 pisos que eu conhecia como um “gaiola”, atracado em Manaus. Amanheceu e o burburinho já começou; para conhecer o povão de uma maneira mais fácil é se sentar na sala do “gaiola” onde é servido o café. Um caleidoscópio de caras e tipos. Mas a manhã vista do navio, que ruma nesta parte no sentido leste, é muito bonito. Nessas horas é que você sente estar participando do filme, o cenário vai lhe incluindo. A todo instante a coisa se transforma em maior ou menor grau. É gostoso ficar à toa nessas condições, dificilmente fica monótono em virtude da paisagem mutante.


E pensar que talvez mais de um milhão de brasileiros nem pensem em fazer uma viagem dessas e, no entanto, já foram à Buenos Aires ou EEUU mais de uma vez. Se algum dia (o velho “se”) vier a ganhar uma loteria, não teria dúvida: compraria um bom barco, desses que dá pra se morar, e iria ficar cirandando por todos esses nossos muitos coloridos rios navegáveis.


Meu plano era fazer um grande relatório durante essa descida no Amazonas, mas é tão bom ficar à toa zanzando pelo navio conversando com um com outro. Vai-se sempre somando informações, já que se encontra com pessoas de diferentes lugares, até do exterior. Bati longos papos em inglês com alguns estrangeiros. Pena que a turma melhor ficou em Santarém com destino a Alter do Chão, aliás é minha próxima viagem: no princípio de novembro pretendo tomar um navio em Porto Velho, RO, descer o Madeira até a um ponto onde der para tomar outro navio com destino a Santarém para chegar a Alter do Chão, onde pretendo passar pelo menos uns 5 dias.


Tanta informação sobre Roraima que agora vão ficando embaçadas pelas novidades desta descida pelo rio Amazonas. Quando se vê, ou se vive várias situações, as lembranças

começam a se embaralharem.


Uma coisa muito interessante se deu hoje (esse texto vem ganhando adendos na medida que quero registrar alguma passagem, independentemente de dias): num desvio do rio, por

onde os navios preferem passar para encurtar caminho pra Belém, consideravelmente estreito (uns 200 metros), onde há várias casinhas do pessoal ribeirinho. Pois nesse trecho as mães põem seus filhinhos numas canoinhas (essas canoinhas estão mais para canoinhas mesmo, mais para um cochinho do que embarcação) e, no remo, se aproximam dos navios dando gritinhos com os bracinhos alevantados, que é a senha para que os passageiros lhes joguem qualquer coisa que lhes sirvam, roupas, comidas, brinquedos, etc. Os passageiros acondicionam as dádivas em sacos plásticos que são a eles lançados e que ficam boiando para que as crianças as apanhem. Mas as canoinhas dançam nas ondas originadas pela passagem do navio como pequeninos barcos de papel, e ninguém, eu disse ninguém, tem um salva-vidas sequer. Se algum dia eu passar por aqui novamente já sei o que jogarei para a canoinha que mais crianças miudinhas tiver: salva-vidas.


No convés toda noite tem forró. A estrangeirada gosta, tentam aprender o molejo dos quadris dos nacionais e acabam forrozando indefinidamente. Muita sorte, porque toda noite temos tido noite estrelada. Meu ídolo nesses forrós é um índio (boa praça, comunicativo, e até meio malandro) d’uns 54 anos na aparência, meio feio, mas muito simpático, muito gente fina no se relacionar com todos. Adora dançar e toda noite sobe ao convés (está instalado no redário, lá embaixo), todo de bermudão até de bom gosto, já bem mamado na garrafa e bota pra jambrar na dança. O danado dança muito bem, cheio de molejos e passadas interessanetes. e quando pega uma magrela, que pela desenvoltura com que forrozeia parece até que ganha a vida fazendo isso (e não estranha nenhum que a tira pra dançar), aí sim que vale a pena assistir. Ele vai cada vez ficando mais bêbado e mais desenvolto também. Algumas estrangeiras gostam de dançar com ele porque dança teatralmente: faz posturas e faces de macho, comparativamente numa nova versão das posturas de um dançarino de tango. Só que num corpo e cara de índio fica interessantemente hilário, mas até meio artístico. Infelizmente somente na última noite de forró que fizemos amizade. Chamei-o de Tuxáua, no que fui muito bem aceito, talvez pelo fato dessa palavra significar "chefe de aldeia" por todas aquelas bandas. E ele só me chamava de Paulista. Se eu tivesse um navio deste, contratá-lo-ia somente para animar as noites no convés durante a navegação. Vai prá Belém.

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